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Universidade Federal de Goiás
João Lúcio

“Quanto mais plural, mais democrático será o ambiente”

Em 28/06/21 15:07. Atualizada em 28/06/21 16:21.

Pesquisa da UFG analisa a presença  de pessoas trabalhadoras LGBTs em sindicatos

Talita Prudente (PRPG)

Até 17 de maio de 1990 a homossexualidade era classificada como doença pela Organização Mundial de Saúde (OMS), e até 2018 a transexualidade era considerada “transtorno de gênero”.  Estes períodos obscuros da ciência, em que a superioridade racial e a patologização de corpos LGBTs eram objetos de pesquisa, felizmente vêm sendo superados. Após muitos avanços e cada vez maior representatividade no ambiente acadêmico, as pesquisas não mais excluem e sim ajudam na luta política pelos direitos civis e visibilidade da comunidade LGBTQI+.

 

João Lúcio

O pesquisador João Lúcio Mariano Cruz investiga como as masculinidades, ao incorporarem características heteronormativas, afetam a comunicação de pessoas LGBTs no ambiente sindical. Em sua pesquisa, o doutorando afirma que preconceitos historicamente construídos se enraizaram em  microespaços políticos, e por vezes motivam a estigmatização do movimento LGBT nas lutas classistas. A pesquisa de doutorado é realizada no PPG de Comunicação da Faculdade de Informação e Comunicação (FIC) da UFG, sob orientação da professora Luciene Dias.

Sua pesquisa observa que quando pessoas LGBTs emitem opiniões em assembleias sindicais levam consigo não apenas o texto narrado ao microfone, mas também uma memória cultural grafada em seus corpos. “Quando nosso corpo se apresenta, existem informações sociais e históricas que o atravessam. Informações que moldam nossa identidade e a forma como somos vistos”.

A nomeação preconceituosa é um exemplo dessa construção imagética que impacta a comunicação de pessoas LGBTI+. “Chamados de “pervertidos”, “desviados”, “doentes”, “anormais”, “viados” e “bichas”, nossas identidades e subjetividades também são determinadas pelos sentidos que carregam os nomes atribuídos a nós, seja no reforço dessa visualidade ou em reação a ela – contravisualidade”. Segundo ele, os sentidos produzidos e transmitidos por esses nomes são construídos para marcar posição na hierarquia visual heteronormativa.

O recorte da pesquisa se atém ao ambiente sindical, mas é sintomático da existência LGBTI+ em outras esferas da sociedade. Dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), que faz parte do SUS, apontaram que entre  2015 e 2017, no Brasil,  24.564 notificações de violências contra LGBTs foram relatadas, fora os casos de subnotificação. Das vítimas,  46%  eram transexuais ou travestis.

 

“As violências acontecem o tempo todo nas mídias, dentro de casa, junto com a família e pessoas amigas. No trabalho, as relativizamos, traduzindo-as por brincadeiras, imaturidades ou jeito de cada pessoa. Não é sempre que se espanca, abusa, prende ou mata. Porém, é nas minúcias diárias, na retirada paulatina de dignidade, que é preparada a cova para o fim último da necropolítica: a morte do corpo-indivíduo, em toda sua localização coletiva de classe, raça, gênero e sexualidade”.

 

Mesmo após a criminalização da LGBTfobia no Brasil, em 2019, as estatísticas mais graves não diminuíram. O Grupo Gay da Bahia (GGB) registrou a ocorrência de 237 mortes violentas de LGBTs (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais) em 2020 no país. Foram 224 homicídios (94,5%) e 13 suicídios (5,5%). Os dados continuam alarmantes e mostram a necessidade de articulação de políticas contra a intolerância nas esferas públicas e privadas.

Diversidade é democracia

João Lúcio destaca que o sindicato é uma arena política para todas as pessoas da categoria, sendo importante incorporar também as demandas das pessoas trabalhadoras LGBTs. Ele conta que, nos sindicatos, houve expansão das coordenações específicas de gênero, sexualidade e étnico-raciais, mas que, em geral, elas seguem com assimetrias de poder político em relação às outras pastas. O pesquisador aponta um caminho para reduzir ainda mais as intolerâncias dentro e fora do espaço analisado: educação, conscientização e políticas de inclusão. 

A transformação emancipatória tem início quando a pluralidade que marca os indivíduos LGBTs é naturalizada. Para João, o debate deve ser orgânico a toda estrutura sindical, para além de datas comemorativas  e comissões especiais. “Quando você pensa em um trabalhador, qual imagem vem à sua cabeça? Qual o gênero e a raça dessa pessoa? Existe operário gay em sua visualidade?”, indaga.

 

“Quanto mais plural, mais democrático será o ambiente, e mais chances de as políticas públicas serem pensadas e feitas com base em realidades próximas às necessidades de todas as pessoas”.

 

O caráter plural está presente no conteúdo e na forma da tese do pesquisador, inteiramente escrita na primeira pessoa do plural. A decisão representa o reconhecimento das múltiplas vozes que construíram o ponto de vista da investigação e reforça que o processo dialógico é coletivo. “Durante a pesquisa acessamos feminilidades e masculinidades, assim no plural, escondidas em nossas mãos. Outra camada é referente aos múltiplos pontos de vista LGBTs, negros e feministas acessados, pois não somos homogêneos nem na teoria nem na prática”.

Como a  pesquisa elaborada por João reflete sobre os processos sociais e históricos que construíram os sentidos sobre minorias, ela auxilia no reconhecimento, união e posicionamento da comunidade LGBTI+ e de outros grupos frequentemente reprimidos. “Nos ajuda a pensar alianças para garantia de nossa cidadania e o respeito à nossa dignidade. Por meio delas, continuaremos a lutar para que as direções sindicais sejam plurais e encarnem demandas de pessoas trabalhadoras lésbicas, transexuais, bissexuais, gays, negras e indígenas”, reflete João Lúcio.






Fonte: Secom UFG

Categorias: Humanidades Fic PRPG