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Universidade Federal de Goiás
Inova

INOVA

Em 30/11/22 16:52. Atualizada em 04/01/23 16:01.

Open licensing! O conhecimento compartilhado num mundo super populoso

Por Tatiana Ertner*

Um estudo científico não termina até que haja a comunicação de seus resultados. Portanto, não basta realizar entre quatro paredes: é preciso ter uma estratégia para que os avanços alcançados atinjam o público-alvo, ou seja, os nossos pares capazes de promover novos desenvolvimentos a partir de nossa contribuição.

Novas fronteiras são transpassadas por meio da eficiente comunicação científica, que deve se dar por meio da legitimação do que é comunicado, dando origem, inclusive,  a novos campos de estudos. Por isso, a comunicação na ciência é fundamental.

A forma tradicional da comunicação científica se desenvolveu por meio da sistematização do conhecimento científico que surgiu com a necessidade de haver um intermediário para tornar a comunicação eficiente. Foi assim que as organizações editoriais se tornaram a forma mais relevante de veicular os achados científicos, também com mecanismos de avaliar e atribuir o mérito científico.  Está claro que  a função básica das publicações é de disseminar o conhecimento científico, dando vazão às ideias e avanços, para que atinjam outras mentes capazes de avaliar o conhecimento produzido e reproduzi-lo, a fim de reformulá-los diante de sua perspectiva.

No entanto, desde que a internet se tornou um veículo fundamental para a comunicação geral, atendendo aos requisitos de rapidez de transmissão, facilidade de acesso à informação e comprovação de dados, a comunicação científica se tornou obsoleta, se mostrando incapaz de seguir a velocidade imprimida por essa forma de comunicação e, por consequência, incapaz de suprir a urgência do mundo por conhecimento e avanços tecnológicos. De fato, a ciência perdeu espaço por não observar a mudança nas formas de comunicação e se afastou ainda mais da sociedade, crítica justa à comunidade científica.

A necessidade move as mudanças e as iniciativas open access são impulsionadas tanto pela necessidade de inclusão da comunicação científica no meio digital de disseminação da informação quanto pela necessidade da ciência de estar alinhada aos anseios da sociedade. É assim que a comunidade científica busca também se beneficiar das vantagens da internet e promover o rápido desenvolvimento do qual tem sido cobrada por entregar. Essa necessidade é justificada, basta nos recordarmos do clima de medo e incerteza que imediatamente se espalhou no mundo todo à notícia da circulação livre de um vírus desconhecido em 2020. A ciência foi eleita a única capaz de frear o desastre e, como tal, foi eficiente e cumpriu seu precioso papel. Não sem esforço. Para isso, necessitou se moldar ao novo, aderir aos novos métodos de comunicação ainda pouco explorados por ela, abrir mão de suas regras engessadas de comunicação científica e fazer uso da rápida divulgação através da internet. Foi por meio, principalmente, dos repositórios pré-prints que os cientistas no mundo todo se comunicaram e uniram esforços para combater o que seria o fim certo de muitas vidas. A ciência se entregou, definitivamente, ao uso da internet e ao acesso livre ao produto científico e, então, reconheceu a capacidade da internet como o novo veículo de comunicação científica. A partir de então, não foi possível mais voltar atrás e muitas alternativas de promover a difusão do conhecimento apareceram e se tornaram populares, dia a dia.

Em matéria de patentes, a open licensing tem sido a ferramenta com maior perspectiva de contribuir para a evolução da inovação aberta, que ocorre de forma colaborativa nas empresas, por meio de parcerias, busca por profissionais altamente qualificados e compartilhamento da propriedade intelectual.  Além disso, a open licensing tem desencorajado os chamados trolls de patentes, uma prática das empresas que se utilizam dos direitos conferidos por patentes, não para produzir inovações, mas para usar a máquina jurídica em processos por violações de patentes que visam o lucro com as barreiras impostas ao desenvolvimento de seus concorrentes. Também na open licensing, a valorização dos inventores,  recursos humanos que empregaram efetivamente seus esforços no desenvolvimento das inovações, ocorreu imediatamente. 

A open licensing em matéria de patentes pode ser considerada similar à creative commons nos direitos autorais, uma vez que a patente que é colocada à disposição será acessada por qualquer um que seja elegível, ou seja, que seja capaz de produzir a inovação referente à patente, em quantidade e preços que atendam à demanda da sociedade e que seja capaz de empregar recursos humanos para desenvolver novas ideias a partir da que tem acesso na patente. Ainda, ela pode conter limitações, uma vez que os termos da open licensing, como taxas, responsabilidades e prazos de operação nos termos abertos são considerados em acordos e contratos.

Como se trata de um acordo mútuo, a open licensing tem a possibilidade de se disseminar rapidamente e, assim como creative commons, pode se desenvolver de modo a ser a relação patentária que passará a dominar o mercado, principalmente porque ela tem um papel social que é compreendido como fundamental tanto pelo setor produtivo quanto pela comunidade científica. Através da open licensing de patentes é possível democratizar o conhecimento, ela se configura como um meio de transferência de tecnologia para países em desenvolvimento, cumprindo o que demanda o TRIPS desde sua criação, incentiva a especialização dos recursos humanos e os valoriza e fomenta trocas comerciais mais equitativas. 

Em termos de publicação científica, as licenças tipo creative commons, os repositórios de dados, os repositórios de pré-prints e os periódicos open access são as ferramentas que estão mais atuantes na promoção do open access ao conhecimento científico. No entanto, a garantia da comunidade científica de que o material assim compartilhado é produzido com vistas às boas condutas científicas é com o que conta a ciência do futuro. Isso significa que todo e qualquer conhecimento científico produzido pode e deve ser compartilhado, com o fim do progresso científico. Ao contrário do que se pensa, o open access, assim como a open licensing não significam a entrega abnegada de todo o esforço criativo. Não significa uma desvalorização do produto intelectual. Ao contrário, é a valorização plena desse esforço, pelo reconhecimento de que ele é essencial e, como tal, não pode mais ter seu acesso retardado ou minimizado. O que se faz aqui é valorizar os direitos morais sobre a criação, esses não são negociáveis, e se encontra uma nova forma de negociar os direitos patrimoniais sobre as inovações e saberes. Isso, sim, necessita de mudança para atender às ânsias do mundo atual. No entanto, é imperativo que o cientista passe a valorizar a ciência colaborativa e não mais se fixe em criar um ambiente que valorize o cientista em detrimento da ciência. A garantia que o open access necessita só pode ser fornecida pelos próprios cientistas, ao condicionarem seus desenvolvimentos aos procedimentos que observem os aspectos morais e éticos da profissão. Sem isso, ao invés de um rápido e frutífero progresso, a ciência pode experimentar uma rápida difamação e cair num descrédito que só pode ser fatal.

A open licensing, o open access não representa um passo atrás na valorização da capacidade criativa humana.  Assim como as patentes e os direitos patrimoniais das obras intelectuais não perderam seu valor nem seu lugar no progresso da civilização. O que estamos vivendo é uma mudança de paradigmas em que se percebe que, cada vez mais, há que se unir forças e compartilhar o que se tem e o que se sabe, para que se multipliquem os benefícios para um mundo superpopulado e limitado em recursos.

*Tatiana Duque Martins Ertner de Almeida é professora do Instituto de Química, presidente da Comitê Interno de Internacionalização do IQ, mantém linhas de pesquisa sobre propriedade intelectual, projetos de extensão de PI no ensino básico e coordena o curso de especialização em Propriedade Industrial da UFG

Categorias: colunistas IQ