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Universidade Federal de Goiás

MESA-REDONDA: Parto humanizado retoma protagonismo da mulher

Em 08/09/14 14:35. Atualizada em 24/11/14 14:13.

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Publicação da Assessoria de Comunicação da Universidade Federal de Goiás 
ANO VII – Nº 67 – Setembro – 2014

Parto humanizado retoma protagonismo da mulher

Texto: TV UFG e Ascom | Foto: Júlia Mariano

O Brasil é recordista mundial em partos por cesarianas. No País, 52% das mulheres são submetidas a esse tipo de procedimento. Quando consideramos os números da rede privada, os índices chegam até a 90% em algumas maternidades. O índice indicado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) é de 15% de cesarianas. Por causa desses números alarmantes, o Jornal UFG em parceria com o programa Conexões da TV UFG convidou dois profissionais para discutir as diferentes formas de parto e como torná-lo mais humanizado, a enfermeira obstetra Cristiane Vieira e o ginecologista obstetra Luiz Carlos Pinheiro. Também conversamos com uma doula, Aline Willik, que viveu a experiência de uma cesárea e um parto em casa.

Por que o Brasil é recordista mundial em parto por cesariana?

Luiz Carlos Pinheiro – Creio que esse recorde é devido a dois fatores: o tipo de formação do médico e a desinformação da gestante. Nós, médicos, somos treinados a tratar emergências e não a promoção da saúde. A tendência é ver o parto como uma doença, um problema. Outro fator é o próprio sistema brasileiro, em que a mulher é ligada a um médico, diferente de outros países, em que é ligada a uma equipe de saúde ou instituição. Para se desvencilhar em ficar 24 horas disponíveis, os médicos criaram mecanismos para induzir a cesariana, uma vez que esse tipo de parto pode ser agendado e é mais rápido. O médico também se sente mais seguro, devido ao seu tipo de formação. Além disso, há a cultura do medo, como o medo da circular de cordão umbilical, e os discursos que diminuem a mulher como “você não dá conta, você é fraca”, sendo que o parto é um evento natural.

Cristiane Vieira – Acredito que a medicalização e a hospitalização são fatores que contribuem para esse panorama. Antes o parto era feito em casa, com poucos recursos. Isso aumentou a mortalidade materna e neonatal. Com o surgimento das tecnologias, principalmente o da anestesia, foi sendo facilitada a hospitalização. Apareceram meios julgados mais seguros para o parto, em instituição hospitalar. Contudo, isso trouxe também condutas intervencionistas e o uso exagerado de medicamentos. A mulher pensa que ir ao hospital ter um parto cesariano, com anestesia em que ela não sentirá dor, é mais seguro. Existe muito medo da dor. A mulher é levada a pensar que o parto é doloroso e que está colocando o bebê em risco, porque existe um falso discurso que o parto pode passar da hora e o bebê ter problemas. Esses também são fatores que induzem a mulher a decidir pela cesariana.

Quais as vantagens do parto normal? Quando uma cesárea é realmente indicada?

Mesa Redonda Luiz Carlos Pinheiro

 

Luiz Carlos Pinheiro – A mulher nasce preparada para o parto normal ou natural. Entretanto, a cesariana não foi criada porque alguém queria marcar uma cesárea, mas devido a complicações de alguns partos em que mulheres morriam em trabalho de parto e crianças também. Existem casos em que não fazer uma cesariana é desumanizar o parto. As vantagens do parto normal são que ele é mais fisiológico, o bebê nasce sem influência de medicamentos, na maioria das vezes, e na hora certa. Um dos grandes problemas das cesarianas é que as crianças nascem antes da hora e precisam ser conduzidas para a UTI ao nascer. O parto cesariano, no entanto, é necessário em alguns casos, como exemplo, os de placenta prévia, gêmeos em que o primeiro não está cefálico (de cabeça para baixo), sofrimento fetal agudo e mecônio (primeiras fezes do bebê) espesso em começo de trabalho de parto. Nesses casos, não é tão seguro nascer de parto normal. No Brasil, o alto índice de cesarianas também ocorre pelo fato das mulheres desconhecerem os riscos em longo prazo da cesariana e pensarem só no parto sem dor e rápido. Para a criança, os riscos de uma cesariana marcada podem ser: ir para a UTI por dificuldade respiratória, problemas psicológicos no futuro por não ter completado o desenvolvimento e riscos de diabetes na infância. Para a mãe, risco oito a nove vezes maior de infecção e risco de reinternação, devido à dor. Para a próxima gravidez, ainda há o risco de placenta prévia, romper o útero, dor pélvica crônica, situações que as mães não se lembram ou não são alertadas ao marcar uma cesariana.

Cristiane Vieira – O parto cesariano tem seus benefícios e é uma necessidade em alguns casos. O parto humanizado não tem nada a ver com o fato de ser normal ou cesárea. A cesariana também pode ser humanizada. Com certeza terão mulheres que vão precisar da cesariana, nem por isso elas serão menos mães. Porém, o parto normal sendo possível traz benefícios para a recuperação da mulher e do bebê. Desencadeado naturalmente e acompanhado com o mínimo de intervenções possíveis, ele traz mais segurança para a mãe e o bebê, pois a recuperação da mulher é muito mais rápida, o bebê respira melhor e tem menos necessidade de usar medicamentos que podem atrapalhar a amamentação.

Qual o conceito de parto humanizado? Qual a diferença dele para o parto tradicional?

Cristiane Vieira – Parto humanizado é o parto feito com respeito às decisões da mãe, de como ela escolheu ter o seu filho, mas de forma esclarecida sobre os benefícios de cada parto. Um parto respeitoso evita condutas que tragam sofrimento para o bebê ou para a mãe e respeita o tempo dos dois. Se o profissional tem segurança de que a criança está bem, o bebê pode demorar um pouco mais a nascer e sem necessidade de intervenções, como empurrar a barriga da paciente (kristeller), usar medicamentos como a ocitocina, que provoca muitas dores e acelera o trabalho de parto, ou usar técnicas de instrumentos para tirar o bebê, que podem ser necessários, mas não é regra para toda mulher, que são o vácuo extrator e o fórceps. O parto respeitoso é aquele que procura trazer para o momento do nascimento condições de conforto, de alívio da dor, pois não há como dizer que não há dor na contração, apesar de ter pacientes que dizem não sentir. O parto humanizado é aquele que respeita a mulher e o bebê, independente de ser normal ou cesárea.

O parto humanizado começa então com o pré-natal, com as informações sobre o parto?

Luiz Carlos Pinheiro – A humanização começa na pré- concepção, na orientação da mulher, no respeito ao pré- natal. A humanização do parto devolve o protagonismo da mulher no parto. Quando os partos passaram a ser realizados nos hospitais, a mulher passou a ser colocada deitada, a usar um tecido para separá-la do médico e a ser depilada, além de ser submetida a lavagem intestinal. O bebê nascia e era observado, aspirado, ficava até oito horas longe da mãe. Percebeu-se, porém, que isso trazia mais malefícios do que benefícios. Em 1963, o francês Frederick Leboyer lançou um livro que horrorizou a classe médica, porque ele insinuou que o bebê tinha direitos sendo desrespeitados na sala de parto. Ao nascer, o bebê precisa apenas do contato com a mãe.

No início do ano, houve um caso no Rio Grande do Sul em que uma mulher foi obrigada a fazer um parto cesariano por ordem judicial. Até que ponto a mulher tem autonomia para decidir sobre seu parto e até que ponto o médico pode intervir?

Luiz Carlos Pinheiro – Esse caso foi polêmico e não tenho uma opinião formada sobre ele. Atualmente, no Brasil, há duas correntes perigosas: a do médico que acha que todo parto tem de ser cesárea ou um parto normal com muitas intervenções e uma linha muito radical que acha que qualquer intervenção é desnecessária. Não pode haver radicalismos. Já acompanhei partos domiciliares, mas fico preocupado quando eles são feitos fora dos níveis de segurança, como os estabelecidos na Europa. Lá, as mulheres só têm parto domiciliar quando são gestantes de baixo risco. Mas, atualmente, há quem acompanhe parto pélvico em casa, com gestante que já fez duas cesarianas anteriores. Na maioria das vezes dá certo, mas o bebê estará submetido a um risco maior. Parece-me que esse foi o caso dessa mulher. Acredito que houve falha na comunicação. Quando a pessoa é bem tratada e quando o médico explica sobre os riscos, ela entende. O problema da saúde é que, quando procuramos os serviços, até a voz de quem trata é autoritária, de quem sabe mais, e isso tinha de acabar.

Cristiane Vieira – Para o parto acontecer de acordo com a escolha da mulher, temos que avaliá-la também. Nesse caso, a paciente apresentava critérios que traziam riscos para a vida dela. Alguns deles tiram a possibilidade do parto normal. Os extremismos não devem existir. Há a linha completamente extremista, que acha que nenhuma intervenção deve ser feita, mas não é toda mulher que terá um parto normal sem a mínima intervenção.

Outro tema bastante debatido é a violência obstétrica, como o uso de procedimentos não acordados, a exemplo da episiotomia (corte da vagina). Como a senhora percebe essa relação conflituosa que envolve, às vezes, até ofensa moral?

Mesa Redonda Cristiane Vieira

 

Cristiane Vieira – A violência aumentou pela necessidade de abreviar o parto. É a falsa impressão de que se nascer rápido, será mais seguro. O uso de ocitócitos, a episiotomia, empurrar a barriga para forçar que o bebê desça de forma mais rápida são condutas intervencionistas que causam trauma e sofrimento para a mulher. Temos de respeitar o tempo de desencadeamento do parto. Quando há muitas interferências, nós, médicos e enfermeiros, causamos sofrimento para a mãe e para o bebê. Uma assistência aparentemente segura para a mulher pode trazer trauma para ela. Muitas mulheres optam por não ter mais filhos ou não ter um parto normal, devido ao sofrimento que o parto anterior lhe causou.

Quais tipos de parto a gestante pode optar? Quais são mais indicados? Como avaliar onde a mulher deve ter o bebê?

Luiz Carlos Pinheiro – O conceito de humanização de parto tenta dar à mulher e ao bebê condições mais seguras para o parto. O parto humanizado não é apenas o parto de cócoras, mas esse é o mais fisiológico. Pode-se ter também o parto sentado em uma banqueta de parto. Se a paciente quiser ter o parto deitada, que fique deitada. A cesárea quando necessária e não é feita também desumaniza. O parto cesariano pode ser feito de forma menos traumática, dando o bebê à mãe ao nascer, para a amamentação na sala de parto. Agora o parto doméstico já é controverso. Na Europa, é estimulado, mas na América do Norte há pesquisas que mostram índice de mortalidade 10,5% maior em partos domiciliares. Cada mulher deve pesar os riscos e benefícios de um parto domiciliar e estar o mais próximo possível de socorro. Só mulheres com gestações consideradas de baixo risco podem tentar o parto domiciliar.

Cristiane Vieira – Independente de ser cesárea ou parto normal, ele deve ser humanizado. O Ministério da Saúde tem investido em condutas para que isso aconteça. A humanização não depende só da posição do parto. O local precisa permitir que a mulher ande durante o trabalho de parto, que ela tome banho e que tenha controle de luz. As instituições não estão preparadas para isso. Hoje não há esse espaço, nós, médicos e enfermeiros, improvisamos. O parto humanizado dá liberdade para a mulher em vários aspectos. Ela deve ser respeitada quando diz que não quer episiotomia ou que não quer ficar sem comer durante o trabalho de parto.

A rede pública oferece uma estrutura básica para o parto humanizado?

Cristiane Vieira – Essa estrutura hoje é mais ampliada no SUS do que na rede privada. Existe o projeto Rede Cegonha que prioriza várias questões sobre gestação e parto. Algumas leis já foram criadas para que isso funcione, como a Lei do Acompanhante. A Rede Cegonha propõe a construção de centros de parto normal, ambientes preparados, em que a mulher pode andar, o acompanhante pode estar presente, além de ela ter um espaço individualizado e não de enfermaria, equipado com banheiras para parto na água, banquetas e cavalinhos para fazer exercício. Tudo para acelerar o processo de trabalho de parto, aliviando a dor sem medicamentos e intervenções.

Muitas pessoas não conhecem o trabalho da doula. Como ela é treinada e como ela atua?

Luiz Carlos Pinheiro – Doula é a pessoa que ajuda a mulher no parto. O trabalho da doula começa no pré-natal. Ela fica próxima à mulher para fazer massagens, levá-la ao chuveiro, auxiliá-la na respiração. Quando a mulher tem a doula no pré-natal, percebo que o parto é mais fácil. Quando a mulher consente o parto, relaxa e deixa acontecer, ele é prazeroso. Se ela está com medo e trava, cada contração é traumática.

Cristiane Vieira – A doula recebe um curso e é preparada para cuidar da gestante. É importante que a doula estabeleça vínculo com a mulher durante toda a gestação, para orientá-la. Falo muito para amigas que engravidam: não busquem experiências ruins, busquem alternativas para estarem preparadas para o parto. É muito diferente quando o médico ou o enfermeiro recebe uma paciente que foi bem preparada para o parto, daquela que não teve preparo.

Categorias: Mesa-redonda parto humanizado parto cesariana

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