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Universidade Federal de Goiás

MESA-REDONDA: Reforma Política no Brasil: possibilidades e perspectivas

Em 13/04/15 11:24. Atualizada em 23/04/15 15:17.

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Publicação da Assessoria de Comunicação da Universidade Federal de Goiás 
ANO IX – Nº 71 – Abril – 2015

MESA-REDONDA: Reforma Política no Brasil: possibilidades e perspectivas

Muito temos ouvido falar sobre Reforma Política. Nas ruas e nas redes sociais há gente pedindo por ela. Mas você sabe o que significa esse conceito e o que pode mudar na política brasileira caso essa medida seja aprovada? Para responder a esta e a outras questões, o Jornal UFG e o Programa Conexões da TV UFG convidaram Tales Pinto, professor do Instituto Federal Goiano (IFG) e mestre em História; José Elias Domingos, mestre em Ciências Sociais e professor do IFG; e o professor Robinson Almeida, da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Federal de Goiás

Texto: Jornal UFG e Programa Conexões | Foto: Carlos Siqueira

 

Mesa redonda sobre Reforma Política no Brasil

O que significa, exatamente, Reforma Política?

Robinson Almeida – Reforma Política é um conceito genérico, que diz respeito às possíveis mudanças das regras que regulamentam as relações políticas no Brasil, principalmente quanto ao sistema representativo e a forma como escolhemos os nossos representantes nos âmbitos: federal, estadual e municipal. Refere-se, também, sobre como as relações entre os partidos políticos podem se organizar, influenciando a relação entre o poder legislativo e o executivo.

José Elias Domingos – É importante entendermos que com a Reforma Política não haverá uma mudança radical na estrutura de representação. Hoje a discussão sobre o tema está muito aprofundada. Alguns pontos colocados em pauta no debate sobre essa reforma política estão adaptados ao contexto da democracia representativa brasileira. Isso vai na contramão do que muitos políticos alegam quando dizem da dificuldade de implementar uma Reforma Política profunda.

Tales Pinto – Esta discussão vem desde a década de 1990 e tomou força ano passado. Em um primeiro momento, apesar de haver um diálogo institucional em relação às questões das tarifas do transporte coletivo, foram grupos organizados que deram o pontapé inicial para as manifestações. A população organizada nas manifestações, tomou nas mãos a ação política sem esperar que houvesse uma institucionalização dessas mudanças. Em um segundo momento, percebemos a tentativa de canalizar essa ação direta, política e não-institucional para dentro das instituições. Agora podemos entender a Reforma Política como uma resposta por parte das instituições de tentar sanar ou responder às reivindicações que surgiram com as manifestações do ano passado.


De que maneira a Reforma Política pode melhorar a participação da sociedade no nosso processo eleitoral e político?

Robinson Almeida – Ainda não há um consenso sobre que pontos e em que direção mudar. O nosso sistema tem inúmeras deficiências, porém existem diferentes agendas de mudanças. Dessa forma, precisamos saber que tipo de objetivo pretendemos atingir. Uma possível meta é a de fortalecer o poder executivo para que os governos consigam implementar suas políticas públicas. Avalio, por exemplo, que é difícil para a presidente governar, na medida em que tem que negociar com um congresso muito fragmentado em partidos políticos, em termos de interesse dos estados e em termos da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Então, sob esta ótica, seria necessário reduzir o número de partidos, implementar outras medidas que diminuíssem a dificuldade do Executivo para governar e para negociar com o Congresso. Outra agenda diferente desta pensaria em não reduzir o número de partidos, por exemplo, mas deixar mais livre a organização dos partidos políticos, pensando que a nossa sociedade é diversificada e as diferentes posições precisam estar igualmente representadas no Congresso Nacional. Tem sido historicamente difícil avançar em reformas mais profundas, como disse o colega. Primeiro de tudo porque não há um consenso sobre o que queremos e o que devemos fazer para atingir este objetivo. Qual aperfeiçoamento pode haver na Reforma Política? Depende de qual Reforma Política estamos falando.

Tales Pinto – Existem movimentos sociais organizados tentando trazer esta discussão da participação popular, que pode ser pensada na ação da própria Presidência da República de criar instâncias consultivas nas quais a população possa participar ativamente, apresentando propostas, mas não chegando a decidir. A questão é que isso é uma alteração um pouco mais profunda que só a questão eleitoral, o que tem causado um grande desgaste frente ao Governo Federal, porque a maior parte dos partidos que estão no Congresso Nacional não aceitam este tipo de proposta por acreditar que significaria perda de poder representativo.

José Elias Domingos – Esse é um debate que não pode ser restrito ao Congresso Nacional e ao Senado Federal, não pode ser restrito sem que haja uma ampliação do que concerne à participação em relação a plebiscito ou referendo, porque existem pontos polêmicos, visíveis, concretos e passíveis de serem realizados, mesmo a mercê de ir contra, por exemplo, a cultura do voto no Brasil, que é uma cultura de voto personalista. Uma das propostas da Reforma Política, por exemplo, é um sistema de voto em lista aberta. Existem propostas de dar mais poder para os partidos selecionarem os candidatos, que seriam aqueles que fariam parte da lista de pessoas a serem eleitas. Assim, as pessoas estariam mais motivadas a votar no partido e não necessariamente no indivíduo, fortalecendo justamente essa organização que é o intermediador entre o cidadão e a vida política. Outra proposta de Reforma Política é a de um sistema de lista fechada, onde você vota na legenda. E a partir do momento que você deposita o voto na legenda, você confia no seu programa e nas suas propostas. Isso faz com que o partido tenha mais possibilidades de mexer no tabuleiro de quem vai entrar e quem não vai. São propostas interessantes, mas, ao mesmo tempo, são propostas que carecem de um debate junto à população, seja ele por plebiscito ou referendo. Esse debate já está sendo chamado, mas precisa cada vez mais ser fomentado, seja nos movimentos sociais, nos meios midiáticos ou nas universidades. É um debate que precisa ferver.

 

Como avaliam a questão da possibilidade do fortalecimento dos partidos nas eleições?
Robinson Almeida – Esse tem sido um clamor por parte de certos setores da sociedade brasileira. Porém, nós temos uma cultura de preferir votar em pessoas e há um grande desgaste dos partidos políticos perante a opinião pública. A proposta de lista fechada é uma tentativa de fortalecer os partidos políticos, fazendo com que o eleitorado tenha que olhar para os programas dos partidos na hora de escolher. Ou seja, os eleitores não vão mais escolher um candidato individual, mas sim um partido. Certamente, há e haverá resistências por parte de uma boa parte do eleitorado que acredita que votar num partido é votar numa coisa virtual. Os partidos são mecanismos de agregação de votos, de manifestações da vontade de setores da população e são indispensáveis nesse papel, portanto, não podemos abrir mão dos partidos políticos. A democracia representativa é, necessariamente, uma democracia em que os partidos exercem um papel fundamental e, em certa medida, eles têm que ser fortalecidos. No entanto, eles são mecanismos insuficientes de agregação de interesses da sociedade civil, porque a sociedade é complexa e é impossível reproduzir opções partidárias tão diversificadas para satisfazer as demandas de setores tão diversificados. E isso nem seria desejável, porque seria um sistema partidário extremamente fragmentado.

Tales Pinto – Se há uma fragmentação dos interesses, eles dizem respeito a todo o conjunto da sociedade. A prática eleitoral brasileira é, de certa forma, ligada a uma estrutura coronelista que ainda se pega na questão de favores pessoais. O individual, na maioria das vezes, está ligado a esse poder pessoal que alguns políticos têm em determinada região. Portanto, a proposta de votos em lista fechada também seria uma forma de coibir esse tipo de prática.

José Elias Domingos – Talvez possa fortalecer o interesse na participação. Vemos nas campanhas e nos programas eleitorais, programas personalistas. São raros os partidos que apresentam de fato um programa partidário. Normalmente, vemos apenas partidos de esquerda fazendo isso. Essa cultura política do eleitor de escolher a pessoa é um resultado claro desse nosso fisiologismo partidário histórico. Um dos maiores partidos que representa esse jogo de barganha dentro do presidencialismo de coalizão é o PMDB, que se caracteriza pela heterogeneidade dos seus componentes. Então, não basta fomentarmos a discussão de Reforma Política com o sistema de lista fechada, incentivando essa educação política para além da pessoa, é preciso desenvolver uma política que vai além de simplesmente delegar o poder de deliberação política para alguém, fortalecendo essas instâncias de deliberação política. Os políticos esquecem que o mandato é do partido e que eles foram eleitos para nos representar. Neste momento entram novamente os interesses de grandes corporações que, por trás desses partidos, orquestram a dinâmica que vai desde a campanha eleitoral até a forma como eles votam no Congresso.

 

Como mudanças no financiamento de campanhas podem alterar o jogo político no Brasil?

José Elias Domingos – Esse é um ponto que parece estar mais claro, em termos de avanço em sua aprovação, para uma reforma política imediata. Quando um candidato é financiado por grandes corporações, ele passa a servir essencialmente, em tese, a essas corporações. Qual é o interesse de um grande grupo em financiar um político? Se pensarmos que é porque querer ajudá-lo a fazer uma transformação social bonita, vivemos num conto de fadas.

Tales Pinto – Devemos questionar também, por exemplo, os interesses do financiamento público. Temos que pensar a serviço de quem a política está hoje em dia. A política, se pensarmos na estrutura atual, está no interesse das grandes corporações, que são as financiadoras das campanhas e quem consegue colocar seus representantes lá dentro. A questão é: as mudanças propostas vão alterar esse tipo de situação ou só vão mudar a forma pela qual essas empresas conseguem influenciar a política de acordo com os seus interesses?


Robinson Almeida – O tema financiamento de campanha, diz respeito diretamente a um dos problemas centrais do nosso sistema político, a corrupção. Nosso problema central não é aquele político corrupto que quer pegar dinheiro para viajar, para ter um iate, mas, sim, o desvio de verbas públicas para financiar campanhas. No entanto, gostaria de colocar essa preocupação com o dinheiro sob outra luz que é a seguinte: não há solução mágica, nenhuma alternativa vai acabar com o caixa dois, com a corrupção e com a influência do poder econômico. Não há mar de rosas na vida, nem nas relações políticas. Porém, o que podemos fazer é pensar em mudanças no nosso sistema eleitoral, para reduzir a necessidade de gastos de campanhas e para torná-las mais baratas e, assim, reduzir o drama do financiamento e eventuais expedientes de corrupção para financiar as campanhas eleitorais. Também acho que a propaganda eleitoral é um show de horrores e que é importante reduzirmos o número de partidos políticos competindo.

Tales Pinto – Mas isso não seria uma concentração de poder muito forte em alguns candidatos ou em alguns partidos? Centralizar em partidos ou em alguns poucos partidos daria um poder muito grande a determinadas instituições políticas, que podem não representar todos os anseios da população. Na verdade, podemos criar outro problema que vai explodir um pouco mais à frente.

Robinson Almeida – Acredito que o que é apresentado como Reforma Política são os anseios de alguns setores organizados da sociedade, que geralmente tendem a pensar que eles estão do lado da sociedade inteira. Mas não são todos que pensam assim, outros setores da sociedade têm outras agendas. Eu entendo a sua preocupação, realmente restringe mais. Então, teríamos que fazer com que esses partidos políticos se abrissem mais a interesses da sociedade. A minha preocupação com a lista fechada é que os partidos políticos fiquem apenas na sua pauta. Na minha opinião, deveríamos manter a lista aberta e permitir a institucionalização de facções que já existem de forma mais ou menos formalizada nos partidos, grupos e sublegendas, de forma que o eleitor possa escolher o partido e, dentro do partido, uma sublinha. Assim, os poucos partidos existentes se tornariam mais porosos para os interesses que a sociedade manifestar, sendo capazes de abranger essa pluralidade representando a sociedade.

 

Pode ser conclamado um referendo ou um plebiscito para convidar a população a pensar mais sobre como ela quer essa Reforma Política?

José Elias Domingos – Veja bem, há uma distinção entre referendo e plebiscito, que estão previstos na Constituição e tem a regulamentação na própria lei eleitoral. Há setores, inclusive partidários, que defendem o plebiscito e há setores que defendem o referendo. É importante ficar clara a distinção entre os dois, que é uma distinção muito simples. No plebiscito, a população vai aprovar os pontos de pauta a serem debatidos, então a população aprova a agenda. No referendo, a população simplesmente ratifica aquilo que foi debatido e colocado em pauta no Congresso. Então, eu acho que esse ainda é um debate morno, justamente porque a população nem sabe a diferença entre um e outro. Temos um problema claro de cultura institucional, de falta desses pontos serem de fato colocados para discussão em diversas instituições, principalmente nos meios hegemônicos midiáticos. A Reforma Política tem que entrar urgentemente na agenda de discussão em diferentes instituições, para que nós possamos, de fato, legitimar um debate que envolva um plebiscito ou um referendo. Porque corremos o risco, eu digo de antemão e é nítido, de fazer tal como foi na questão do porte de armas. Foi um debate muito mal feito, que beira o ridículo, e temos que reconhecer isso. As pessoas não conseguiram nem entender o que estavam deliberando ali. Então, esse ponto da Reforma Política deve entrar na agenda para além do que os partidos desejam. E eu faço a seguinte provocação: as pessoas não se sentem realmente representadas pelos partidos. Então como eles podem achar que incorporar uma demanda social para eles próprios debaterem significa Reforma Política?

 

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